O coração, válvula que bombeia o sangue no centro do sistema cardiovascular!
Distribui o sangue para todo o corpo através das artérias e veias e do impulso pulmonar.
Que ligação tem o sistema cardiovascular com a reforma tributária iniciada pela Emenda Constitucional 132/2023?
Em princípio, nada! Pelo menos do ponto de vista científico!
Mas o sistema cardiovascular pode ser utilizado como analogia para explicar o Sistema Tributário Brasileiro após a reforma em curso.
Isso porque, assim como o sistema cardiovascular, a reforma tributária tem um núcleo vital, que faz parte de um contexto maior.
Alguns leitores podem considerar esse texto pura obra de ficção. Outros, podem entende-lo como “teoria da conspiração”.
No entanto, como é dado ao ser humano o direito de conjecturar, aqui o faremos.
Questão 1: 30 Anos de Reforma
No período de 30 anos, o legislador reformou o Sistema Tributário Brasileiro inúmeras vezes, principalmente através das seguintes Emendas Constitucionais:
- Emenda Constitucional 3/1993, que estabeleceu restrições para isenções, incentivos e benefícios fiscais e para corrigir outras distorções do Sistema Tributário Nacional;
- Emenda Constitucional 20/1998, que permitiu a criação do PIS e da COFINS não cumulativos;
- Emenda Constitucional 29/2000, que assegurou o financiamento de ações e serviços públicos através do aumento da arrecadação;
- Emenda Constitucional 33/2001, que reformou o ICMS e ampliou a aplicação das Contribuições Sociais de Intervenção no Domínio Econômico;
- Emenda Constitucional 37/2002, que estabeleceu regras para os precatórios, manteve provisoriamente a CPMF e alterou a incidência do ISS;
- Emenda Constitucional 42/2003, que exigiu tratamento diferenciado e favorecido para as microempresas e empresas de pequeno porte, enquanto alterava a incidência do ICMS e a distribuição da arrecadação tributária.
Segundo alguns, a reforma tributária proposta pela EC 132/2023 estava há 30 anos esperando para ser aprovada.
No entanto, a PEC 45, cujo texto inicial originou a EC 132, somente foi apresentada para análise do Congresso Nacional em 03/04/2019.
Até a sua aprovação, quase 4 anos se passaram. E não 30 anos!
Nesse período, as discussões sobre essa reforma foram tímidas e restritas! E a aprovação da proposta na Câmara Nacional ocorreu de forma célere!
O fato é que o povo brasileiro somente tomou conhecimento do que estava por vir após a publicação da EC 132 no Diário Oficial da União, em 21 de dezembro de 2023.
Só então, a maioria fez as contas e não gostou!
Pior ainda se dá com o Projeto de Lei Complementar 68/2023, que pretende regulamentar a reforma tributária, em relação ao IBS, à CBS e ao Imposto Seletivo.
Apresentado à Câmara Nacional em 25/04/2024, o PLP 68/2023 foi aprovado em 19/07/2024.
Ou seja, em menos de 3 meses, a Câmara Nacional conseguiu analisar os 513 artigos e os 24 anexos do PLP 68/2023 e despachá-lo para o Senado.
Então uma dúvida surge: somente os profissionais e técnicos da área estão com dificuldades de entender o texto do PLP 68/2023, já que os Deputados Federais conseguiram aprova-lo em tão curto prazo?
Ou o texto já estava pronto há 30 anos?
Esses questionamentos demandam cuidados para entender os reais objetivos de uma reforma tributária que impactará a vida de todos os brasileiros pelos próximos 50 anos.
Questão 2 – Tributos Pagam as Contas Públicas
Nunca é demais lembrar que os tributos pagos pelos contribuintes sustentam os sistemas administrativos, legislativos e judiciários de um País.
Tal como o sangue para o ser humano, o tributo é fundamental para sobrevivência da “máquina pública”!
O coração regula a quantidade de sangue necessária para manter o organismo humano.
A quantidade de tributos necessária para manter a “máquina pública” funcionando é regulada por leis, vigiadas pelo judiciário.
Se o coração não tiver funcionando adequadamente, o corpo sofrerá e poderá entrar em falência.
Se as leis não tiverem funcionado adequadamente e o judiciário falhar, a Nação sofrerá e também poderá entrar em falência.
Portanto, legisladores e juristas devem adotar medidas para conter excessos e insuficiências, calibrando o sistema cardiovascular de arrecadação!
Contribuintes são as fontes dos tributos. São empresas e pessoas físicas que trabalham para gerar a renda tributável que alimenta a “máquina pública”!
Esses contribuintes dão o seu sangue (tributo) para manter e melhorar o País e, tal qual o coração, devem ser bem cuidados.
No entanto, o que vemos, pelo menos há 30 anos, é o contribuinte sendo maltratado, desprezado e pisoteado pela “máquina pública”.
A nova reforma tributária exigirá mais ainda desse contribuinte:
- Impostos Ambientais que podem restringir a atividade humana;
- Tributos sobre o consumo, quando a renda usada para consumir já foi tributada na origem;
- Aumento de tributos sobre o patrimônio adquirido com renda já tributada, garantindo à “máquina pública” a condição de co-proprietária;
- Legislação extensa, complexa e não debatida, para gerar dúvidas no contribuinte.
Muitos defendem que tais ônus serão compensados com a transparência, a simplicidade, a uniformidade legislativa e o sistema não cumulativo propostos pela reforma tributária.
No entanto, ao que tudo indica, os benefícios podem não compensar os efeitos colaterais ao longo do tempo, levando o contribuinte a óbito!
A esperança é que o Senado Federal e os tribunais consigam “calibrar” o novo sistema, de modo a evitar a falência do contribuinte e reduzir os efeitos colaterais.
Questão 3 –Split Payment
Dentre as propostas do PLP 68/2023, destaca-se o “Split payment” que, segundo as justificativas ao texto aprovado pela Câmara Federal, “é um arranjo em que os prestadores de serviços de pagamento segregam e recolhem aos cofres públicos, no momento da liquidação financeira da transação de pagamento, os valores do IBS e da CBS destacados nos documentos fiscais. O valor recolhido será utilizado para quitação do montante ainda não pago dos tributos incidentes sobre as operações vinculadas ao recolhimento, e, quando excedente, para compensação de débitos pendentes dos tributos do mesmo ou de períodos anteriores”.
O Split payment, portanto, será uma das formas de pagar o IBS e a CBS.
O funcionamento do Split payment demandará a atuação de um prestador de serviço financeiro, que terá como função reter o tributo devido na operação e transferi-lo aos cofres públicos!
Para tanto, o prestador de serviços precisará de sistemas operacionais adequados, funcionários treinados e, certamente, de inteligência artificial para processar milhões ou bilhões de transações.
Logicamente, será cobrada uma taxa pelos serviços de intermediação financeira. Ou seja, de cada Real devido ao fisco, uma parte será do operador financeiro.
No Split payment, o pagamento do tributo, além de automático, será sempre eletrônico, dispensando o dinheiro em papel-moeda.
Obviamente, a retenção do IBS e da CBS não ocorrerá no momento da emissão do documento fiscal, mas na liquidação da operação!
Dessa forma, o prazo para pagamento do tributo será o mesmo dado pelo fornecedor ao comprador para pagar pela sua compra, exigindo novas estratégias comerciais e financeiras!
Com isso, os créditos tributários acabarão tendo preferência em relação aos demais, independentemente do que estabelecer a legislação ou de outros compromissos do contribuinte!
Portanto, o Split payment será o “coração artificial” de um sistema tributário que distribuirá o produto da arrecadação, forçando o contribuinte a pagar o tributo imediatamente, ainda que não tenha recursos suficientes para sobreviver.
Vale lembrar, que o sistema aplicado ao IBS e à CBS poderá ser utilizado para pagar outros tributos e outras verbas devidas aos cofres públicos, tais como multas, juros, taxas de serviços etc.
Com ou sem a participação do contribuinte!
Questão 4 – Moeda Digital
Claro que, em um sistema eletrônico e automático de pagamento proporcionado pelo Split Payment, cabe uma moeda digital!
Coincidentemente, o Banco Central do Brasil criará o DREX – Digital Real X (incógnita), que permitirá “vários tipos de transações financeiras seguras com ativos digitais e contratos inteligentes (….). Esses serviços financeiros inteligentes serão liquidados pelos bancos dentro da Plataforma DREX do Banco Central”.
Então, é possível imaginar que o “Split payment” (coração) poderá funcionar dentro da Plataforma DREX (caixa torácica).
Com isso, o contribuinte poderia ser obrigado a adotar o Real Digital no pagamento do tributo, passando a ser simultaneamente monitorado pela fiscalização tributária, pelo Banco Central e pelos intermediários financeiros.
O DREX, associado ao Split Payment, poderá tornar a arrecadação tributária mais eficiente e reduzir as chances de sonegação.
No entanto, essa associação extinguirá o sigilo bancário e a privacidade tributária. Além de deixar o contribuinte desprotegido e desorientado, sem controle sobre o cálculo do tributo devido e sobre seu movimento financeiro.
Também não podemos deixar de imaginar que a associação DREX/Split Payment poderá ser estendida a todos os pagamentos aos cofres públicos.
Assim, por exemplo, uma simples multa de trânsito poderia ser exigida em DREX e automaticamente descontada da conta bancária do infrator, mesmo sem a sua autorização, através do sistema de Split Payment.
Prevendo esses problemas, o Senado Federal analisa o Projeto de Lei Complementar 80/2023, que exige respeito aos sigilos bancário e fiscal e a segurança e integridade das operações financeiras.
A esperança é de que essa medida seja suficiente para conter a demanda tributária do PLP 68/2023.
Conclusão
O novo Sistema Tributário Brasileiro, ao contrário do que propagam, não será simples e muito menos fácil de operar.
É provável que haja um aumento de carga tributária que, por causa da incognoscível alíquota, ainda não pode ser medido!
No entanto, o mais assustador é o controle que as novas tecnologias e moedas digitais prometem exercer sobre o contribuinte, coagindo-o a pagar os tributos o mais rápido possível!
A “máquina pública”, cada vez mais perdulária, parece não ter limites ao cobrar tributos sobre todas as transações dos contribuintes.
Isso sem contar com as prováveis autuações por qualquer infração!
A dúvida é se o sistema cardiovascular do contribuinte suportará mais esse ônus ou sucumbirá em menos de 30 anos.
Quem viver, verá!




